O Projeto FAZDI trabalha há 20 anos com a dependência química. E nesse trabalho, tivemos muitas experiências, muitas exitosas e outras nem tanto. Mas algo que aprendemos com certeza em todos esses anos, é que a família é indissociável do tratamento e possui uma função protetiva singular.
Partimos do princípio, que não se deve haver apenas um acolhimento individual e unilateral, ou seja, olhar apenas para o sujeito e sua doença, mas consideramos toda a sua trajetória, como seu histórico familiar, social, psicológico, ambiental etc. Olhamos esse indivíduo como um todo e a família tem uma participação fundamental.
Seguramente, podemos afirmar que um acolhimento, sob a ótica da dependência química, tem melhores resultados, quando se tem uma família consciente, participativa e curiosa.
Mas como trabalhar ou contar com uma família que está adoecida? Ou que não tem consciência de seu adoecimento? Ou que não aceita seu adoecimento?
Em anos de acompanhamento, vimos mães, esposas, namoradas, filhos etc, sofrerem por amar demais e por não saberem como lidar com seus dependentes químicos. Vimos mães superprotetoras, carregadas de um profundo sofrimento, encarceradas pelo peso da culpa pela não cura de seus filhos. Vimos esposas dilaceradas por mais uma recaída, pela perda material, pelo regresso afetivo. Vimos filhos somando em seu interior o peso do abandono. Vimos namoradas, que não precisavam ficar, mas continuavam se apegando há um fio de esperança.
Nesses anos, também encontramos pessoas fortes, com uma garra sobrenatural, cheias de medo e traumas. Famílias que se apegam a detalhes. Que se alimentam de um amor, até por vezes inexplicável. Mesmo cansadas de caminhar, cansadas de lutar, estão lá, permanecem por amor, permanecem por dor, permanecem por culpa, permanecem por sua própria doença.
Apesar de toda sua garra e determinação, um grande impeditivo no processo de acolhimento e sobriedade, é a codependência. Percebemos o quanto uma família doente, adoece ainda mais o dependente químico em tratamento.
O pós-tratamento é tão ou mais importante que o tratamento e é onde a não informação, a não decisão de se autocuidar toma conta e favorece recaídas.
Não queremos dizer que a família é a única responsável pelo processo de abstinência do pós-tratamento, até porque ele é um processo mútuo de entrega, envolve um bom acompanhamento, a família e o dependente químico. Afirmamos que uma família sadia emocionalmente, que tem conhecimento de sua função protetiva, que detém de estratégias, é mais assertiva no processo de sobriedade.
Claro, que a codependência precisa ser olhada com empatia e acolhimento, pois assim como a dependência química, o codependente também está adoecido.
Digamos que um se alimenta do outro. É uma troca inconsciente de favores. Enquanto, o dependente químico precisa do codependente para saciar seu vício; o codependente precisa do dependente químico para saciar sua falta de amor próprio, saciar suas faltas emocionais, suprir seu desejo de controle sobre o outro, atender ao seu impulso messiânico, entre outros.
Vemos que o codependente quando não trata sua doença, inconscientemente, cria situações que favorecem a recaída, pois essa é a forma que sabe viver – dependendo emocionalmente de outro, e esse outro também vive adoecidamente.
A codependência é uma doença emocional e comportamental que também desencadeia outras comorbidades, como: diabetes, pressão alta, depressão entre outras, então se cuidar é o primeiro passo.
Quando o codependente aceita sua posição diante da dependência química, ou seja, como um codependente, o processo saúde-doença tem mais êxito, de ambos os lados.
No Projeto FAZDI ofertamos aos familiares um grupo de mútua-ajuda, que se chama Celebrando a Transformação. Há quem pense, que a transformação celebrada é dos dependentes químicos que estão firmes em seu propósito de sobriedade, quando a celebração é para o codependente que aceita sua condição e decide mudar, não pelo outro, mas por si.
Há familiares que dizem: - Porque preciso de um grupo de mútua-ajuda? Eu não usei drogas, foi meu familiar!
Mas quando iniciam o acompanhamento, relatam o quanto o compartilhar, o transbordar as emoções, quando veem que não são os únicos nessa busca desesperadora, se inicia o processo de superação.
Esse processo exige muito do codependente. É demorado, é dolorido, desesperador e angustiante. Aceitar que ele também é o problema, é o ápice da confrontação humana.
Como alguém que ama, pode ser também o problema? Quando há partilha, quando há questionamentos, quando há confrontos, quando há o reconhecimento de seus próprios sentimentos, de sua história, de seu protagonismo, vemos que começa a desvinculação com o adoecimento.
O importante é não continuar sozinho, não buscar sozinho, não sofrer sozinho. Quando há essa compreensão, há superação, há cura interna, há busca pelo amor próprio, há vida.
Busque um acompanhamento: em grupos de apoio, apoio médico e psicológico. Não é constrangedor pedir ajuda. Nem sempre estaremos bem. Mas sempre temos o outro.
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